terça-feira, 9 de junho de 2009

La Celestina - Fernando de Rojas, 1499




Os clássicos e suas existências


Minha leitura da obra clássica La Celestina foi bastante interessante. E por que digo isso?

Os livros clássicos trazem consigo uma história de leituras. Carregam uma carga de cumplicidade com os leitores de todas as épocas vindouras.

Quando alguém lê Dom Quixote espera encontrar ali aquilo que mais identifica a obra com a popularidade dela. Com a mitologia criada em torno dela.

Sem dúvida, os leitores do século XXI esperam encontrar no Quixote a famosa cena do embate do cavaleiro com os moinhos de vento. Já entram na obra encantados com seu escudeiro Sancho Pança. Têm uma ideia cristalizada do burrinho, do Rocinante e da donzela Dulcineia.

Da mesma forma, ao lermos Hamlet de Shakespeare, esperamos ansiosamente pela famosa cena do sepulcro, onde o jovem angustiado solta a famosa frase "-Ser ou não ser, eis a questão...".

Mal sabem os não leitores da obra que a frase é somente a abertura de uma angustiante reflexão filosófica sobre viver ou não viver, interromper a vida ou seguir vivendo, onde predomina a eterna dúvida cruel de não se saber se há algo além da vida terrena.

Os clássicos carregam séculos e séculos de vivência por mundos e mundos diversos, países e povos distintos, gerações e gerações de leituras e de ideias de leituras, imagens criadas e partilhadas ao longo do tempo de existência sempre crescente da obra.


Os clássicos e suas eternas surpresas nos novos leitores

Apesar da existência objetiva e cronológica de cada clássico, de sua trajetória até o novo leitor, passando por todo o conjunto de leituras já feitas, as grandes obras nunca perdem a sua capacidade de surpreender seus leitores novos.

Seja pelo prazer que a leitura fornece, seja pela surpresa de achar em coisa tão velha assunto ou tema tão atual e presente, seja por qualquer identificação nova no leitor novo.

Uma descoberta sempre agradável, na minha opinião, sobre as obras clássicas é ver que os ditos populares e frases de sabedoria vêm de nossos antepassados mais longínquos.

Eu já havia encontrado várias delas no Quixote, que é de 1605 e 1615.

Descobri na obra La Celestina, maior idade em vários ditos e frases populares. Eles envelheceram mais cem anos. Não tenho dúvida de que vão envelhecer mais, à medida que minhas leituras forem retrocedendo no tempo cronológico da história da literatura mundial.

Disse que minha leitura de La Celestina foi muito interessante porque eu não tinha imagem pré-construída ou conhecimento prévia da história da velha Celestina nem do casal Calixto e Melibeia.


A obra e seu autor

A história da obra traz consigo um dilema que perdurou durante séculos. A dúvida ou mistério da origem autoral. Chegou-se a aceitar a ideia de que até 3 autores distintos pudessem ter composto a obra.

Hoje, já há mais convicção em se dizer que seu autor é Fernando de Rojas. A primeira edição seria de 1499, com reedições e acréscimos em 1501, 1502 e 1514.

Há um livro de Stephen Gilman, La Celestina - Arte y Estructura, de 1956, com reedições e acréscimos até 1982, que traz um estudo profundo sobre o estilo de Fernando de Rojas e de toda a economia da obra La Celestina.

A edição que li e de onde retiro algumas frases e ditos populares é La Celestina – tragicomedia de Calixto y Melibea. Fernando de Rojas, Colección Austral n. 195. Undécima Edición, 1971. Espasa-Calpe, S.A. Madri.


Frases e ditos populares

1 - Diálogo de Semprônio e Celestina: Celestina relembra a importância dela como alcoviteira da região. Melhor que ela só havia sido a mãe de Pármeno - senhora Claudina.

"Su madre y yo, uña y carne. De ella aprendí todo lo mejor que sé de mi oficio"

Veja que legal ler obras do passado. Esta tem 500 anos e a expressão "unha e carne" existe até hoje.


2 - Veja esta frase falando do mal de se falar demais:

"!No se dice en vano que el más empecible miembro del mal hombre o mujer es la lengua!" p.52 (empecible = dañoso)


3 - E os ditos populares é que são muito interessantes e muitos deles são usados até hoje:

"Una alma sola, ni canta ni llora"
"Un solo acto no hace hábito"
"Una golondrina no hace verano"
"Un testigo solo no es entera fe"
"Quien sola una ropa tiene, presto la envejece" (todos na p.74)


4 - Encontrei mais dois ditos populares interessantes: da água que tanto bate até que fura e de Deus ajudar mais aos que têm fé (ou sorte) do que aqueles que cedo madrugam:

"Mucho puede el contínuo trabajo; una contínua gotera horada una piedra" p.79

"Más vale a quien Dios ayuda, que quien mucho madruga" p.79


5 - Eis mais um dito popular antiquíssimo, que temos dois ouvidos e uma só boca, então é calar e ouvir mais:

"Sempronio - Oírte ha nuestro amo; tendremos en él que amansar y en ti que sanar, según estás hinchando de tu mucho murmurar. Por mi amor, hermano, que oigas y calles, que por eso te dió Dios dos oídos y una lengua sola" p.96


6 - Quem tudo quer, nada tem!:

"Ahora que lo veo crecido, no quiere dar nada, por cumplir el refrán de los niños, que dicen: de lo poco, poco; de lo mucho, nada" p.108


7 - "¡Oh bien y gozo mundano, que mientras eres poseído eres menos preciado y jamás te consientes conocer hasta que te perdemos!" p.121

"Que cuando una puerta se cierra, otra suele abrir la fortuna" p.121

As duas frases são bem comuns até hoje e pertencem à sabedoria popular.


Observações finais

Um dos fascínios de se ler os clássicos da literatura mundial, além do próprio prazer da leitura, é nos encontrarmos conosco mesmo, ser humano, pois é fácil ver que nos reinventamos a cada momento, em cada lugar, a cada geração.

Nos reinventamos a partir do hoje e do ontem, numa eterna roda da vida.

Os clássicos têm me mostrado as frases que minha querida avó, recém-falecida, já dizia em seus quase cem anos de vida. Ela as ouvia de seus parentes ascendentes e contemporâneos.

Em momentos e lugares distintos, essas frases foram parar nas obras e/ou saíram das obras para a língua do povo, numa convivência sadia e que faz a língua viva.

O que nos reserva o amanhã senão essa mesma textura de frases de nossos jovens internautas que navegam com frases que variam desde "cair a ficha" (sendo que não existem mais fichas telefônicas) até sua recém-criada linguagem cibernética e "msmnica" ("dps", "fds", "rsrsrs...") e por aí afora?

Sem dúvida, o amanhã nos reserva a língua, a linguagem humana de amanhã.

William Mendes

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(Comentário: passei na matéria com a nota 7,0)

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Post Scriptum: para a leitura das postagens sobre a leitura da obra, é só clicar aqui e ir acessando a seguinte ao final da leitura.


BIBLIOGRAFIA:

ROJAS, Fernando de. La Celestina – tragicomedia de Calixto y Melibea. Colección Austral n. 195. Undécima Edición, 1971. Espasa-Calpe, S.A. Madri.

GILMAN, Stephen. La Celestina: arte y estructura. Taurus Ediciones, S.A. Reimpresión 1982, España.


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