segunda-feira, 25 de julho de 2011

Fim das metas X fim das metas abusivas


O tema que defendi na 13ª Conferência Estadual dos Bancários da Fetec CUT SP (23/7/2011) foi sobre a proposição da Articulação Sindical de lutar pelo fim das metas abusivas na categoria bancária versus a proposição de várias correntes que defendem somente o fim das metas.

Pode parecer um preciosismo ter ou não ter o qualificativo "abusivas" mas não é.

Há uma questão de concepção e prática da Articulação Sindical e da Central Única dos Trabalhadores por trás da proposição "fim das metas abusivas".

A CUT desde sua origem nos anos oitenta se entende enquanto movimento sindical e não somente como movimento. Ou seja, além de organizar, definir as reivindicações e mobilizar a classe trabalhadora, a CUT quer negociar e contratar ao final do processo entre as partes: Capital X Trabalho.

É baseado nessa concepção e prática que muitas vezes não nos basta somente palavras de ordem ou chavões que não ajudam na mesa de negociação. Se nós sindicalistas representantes dos trabalhadores só dissermos ao patronato fim disso, fim daquilo, não a isso, não àquilo, quero isso e não tem diálogo, em várias situações as mesas de negociação não serão sequer instaladas.

Quem sempre perde sem a tentativa de negociação é a classe trabalhadora. E é obrigação do sindicato CUTista buscar negociação e contratação de melhores salários e condições de trabalho para os seus representados, mesmo que ao final não consigamos tudo o que está na pauta de reivindicações porque o que define o tamanho do avanço na negociação é a estratégia, o envolvimento dos trabalhadores e o tamanho da mobilização durante as negociações.

Ter ou não ter metas?
Fim da metas ou fim das metas abusivas?
Metas impostas ou negociadas entre as partes?
De quem é a gestão das empresas?

Nós sabemos que a gestão das empresas não nos pertence. Estamos no sistema capitalista. Mas nós queremos negociar com o patrão regras e limites, queremos negociar a remuneração e a distribuição da riqueza produzida por nós. Queremos negociar condições de trabalho.

É óbvio que as empresas sempre dirão que a gestão é delas e que não negociarão sobre isso. É óbvio que se fizermos boas campanhas e boas mobilizações que incomodem o patronato eles terão que negociar conosco.

Usei na minha defesa pelo fim das metas abusivas na Conferência um exemplo sobre ter ou não metas que incomodou aos meus camaradas comunistas e que também colocou outros a pensar: falei da importância das metas na implantação do socialismo na Rússia com a implantação dos planos quinquenais para que o país produzisse os bens necessários a uma população gigante e num período de grave crise mundial.

Alguns camaradas podem não ter gostado, mas o que falei é verdade. Neste fim de semana reli várias páginas sobre o sistema soviético e todos nós temos metas e objetivos a alcançar. A meta do movimento sindical CUTista é lutar por uma sociedade socialista, com democracia e distribuição equânime das riquezas produzidas pela classe trabalhadora.

Tenhamos claro que as metas dos banqueiros não nos interessam, mas elas não deixarão de existir por isso. Lutemos para limitá-las e contratar regras em nossa convenção coletiva, assim como contratamos regras para distribuir a Participação nos Lucros e Resultados.

A Articulação Sindical Bancária sempre se pautará por seus trabalhadores nos locais de trabalho e buscará sempre fazer propostas que tragam os seus representados para a luta e para a mesa de negociação com banqueiros e governo.



SOMOS FORTES, SOMOS CUT!
SOMOS ARTICULAÇÃO SINDICAL!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Poeminha pós moderno

Vejam que poema fantástico! Adorei!!

O autor é Izaías Almada.

Poeminha pós moderno

Vou-me embora pra Miami
Lá sou amigo da grei
Lá tenho as dicas que eu quero
Dos golpes que aplicarei
Vou-me embora pra Miami
Aqui não sou nada feliz

Lá é que é tudo loucura
Tem gente de tudo que é lado
De Caracas são muitos esquálidos
De Cuba vão muitos gusanos.
De Buenos Aires, São Paulo, La Paz
Tem malandro contumaz

Todos se julgam  de elite
Com inveja da gringolandia
Se amarram num badulaque
Que aqui é o ‘must’ IMPORTADO

Lá não sou branco, nem negro
No passaporte sou ‘outros’
Me olham meio de lado…
Não faz mal, tudo é pecado.

E quando estiver estressado
Dou um pulinho em Orlando
Chamo o Pateta e a Minnie.
Pra que me contem histórias
Do tempo em que eu era menino
E não sabia da vida

Vou-me embora pra Miami
Lá eu encontro de tudo
É outra civilização
Tem celular e i-pad
De última geração
Tem arma, rifle automático
Tem cocaína à vontade
De preço bom e barato
Protegida pela CIA
E por um grande aparato…

Tem garota de programa
Para gente namoricar
E quando estiver com saudade
Triste de dar dor no peito
E no barzinho eu quiser
Falar mal do meu país
Falo e me sinto feliz…

Pois lá sou amigo do Bush
Do Aznar e do Berlusconi
Essa gente à La Corleoni
Com quem no passado aprendi…

Vou-me embora pra Miami
Lá sou amigo da grei
Tenho e dou assessoria.
Pra quem? Jamais contarei.

Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).

Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/colunas/reflexoes

domingo, 3 de julho de 2011

Sobre o conceito de cultura


“Cultura” é daquelas palavras escorregadias, aparentemente simples, que com frequência são usadas com sentidos não só diferentes, mas antagônicos. Mais produtivo que estabelecer qual é a definição “correta” de cultura seria observar quais os sentidos adquiridos pela palavra ao longo do tempo e o que eles nos dizem sobre os seus referentes no mundo real.

Por Idelber Avelar

(os negritos são marcações do Refeitório Cultural - são os pontos que achei muito interessantes e que quero partilhar deste excelente texto do Idelber Avelar)


“Cultura” é daquelas palavras escorregadias, aparentemente simples, que com frequência são usadas com sentidos não só diferentes, mas antagônicos. Mais produtivo que estabelecer qual é a definição “correta” de cultura seria observar quais os sentidos adquiridos pela palavra ao longo do tempo e o que eles nos dizem sobre os seus referentes no mundo real. É o que tento fazer na coluna deste mês.


Palavras-Chave, do marxista britânico Raymond Williams, obra publicada no Brasil pela Boitempo, é um ótimo guia do assunto. “Cultura” vem do verbo latino colere, que combinava vários sentidos: cultivar, habitar, cultuar, cuidar, tratar bem, prosperar. Do sentido de habitar derivou colonus. Têm, portanto, origens comuns as ideias de colonização, culto e cultura. Já em Cícero (106 a.C. - 43 a.C.) aparece o sentido de cultura como “cultivo da alma”, mas é mesmo a partir do Renascimento que se consolida a analogia entre o cultivo natural e um desenvolvimento humano. É nesse sentido que Thomas More, Francis Bacon ou Thomas Hobbes, nos séculos XVI ou XVII, falam de “cultura da mente” ou “cultura do entendimento”. É uma metáfora derivada da analogia com o sentido material, agrícola do termo.


A naturalização dessa metáfora fez com que se cristalizasse o sentido de cultivo humano, e nos séculos XVIII e XIX o termo “cultura” começa a aparecer como autossuficiente, dissociado do objeto desse cultivo. Até o século XVIII, tratava-se sempre da cultura de alguma coisa, fossem plantações, animais ou mentes. A partir daí, segundo Williams, “o processo geral de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético foi aplicado e, na prática, transferido para as obras e práticas que o representam e sustentam”. Em outras palavras, firma-se ali o sentido de “cultura” como um bem que alguns possuem e outros não. Esse sentido permanece conosco, quando dizemos que alguém é “culto” ou “tem cultura”. É uma acepção excludente da palavra, que com frequência ganha contornos, inclusive, aristocráticos.


Com a antropologia, no final do século XIX e, especialmente, no século XX, volta-se às raízes materiais do conceito de cultura, mas agora com ênfase na sua universalidade humana. “Cultura” passa a ser entendida como o conjunto de valores, crenças, costumes, artefatos e comportamentos com os quais os seres humanos interpretam, participam e transformam o mundo em que vivem. Nenhuma comunidade humana está excluída dela, embora, também com a antropologia, solidifique-se o processo que faz de “cultura” um substantivo passível de ser usado no plural. As culturas humanas são múltiplas, diferentes, irredutíveis entre si e, acima de tudo, não são hierarquizáveis. Na acepção antropológica do termo, não há sentido em se falar de mais ou menos cultura, ou de culturas superiores ou inferiores a outras. Há uma veia radicalmente relativista na concepção antropológica de cultura, que se realiza em sua plenitude na obra de Franz Boas, mestre de Gilberto Freyre.


Nos debates sobre política cultural, é sempre instrutivo observar com qual sentido cada interlocutor usa o vocábulo “cultura”. Do ponto de vista antropológico, não teria sentido dizer, por exemplo, “levar cultura para o povo”, posto que qualquer povo está inserido em sua cultura — ele não seria povo sem ela. Mas é frequente que assim se designe a função dos Ministérios ou das Secretarias da cultura. Tampouco teria sentido, exceto na acepção excludente e aristocratizante apontada acima, falar de “produtores de cultura” como uma classe à parte, diferente daqueles que seriam seus meros consumidores. Mas não é incomum, em discussões sobre política cultural, a desqualificação de interlocutores como sujeitos que supostamente estariam “fora” da cultura ou que não seriam “da área” da cultura. Ora, não há seres humanos vivendo em sociedade que estejam fora da cultura.


O uso excludente do termo se reproduz quando se igualam os “produtores de cultura” à chamada “classe artística”. Essa é a sinédoque — redução do todo a uma de suas partes — que me parece mais daninha nas discussões sobre política cultural. A cultura é a totalidade das formas em que um povo produz e reproduz suas relações com os sentidos do mundo. Reduzi-la às indústrias cinematográfica, teatral e fonográfica é reeditar a exclusão segundo a qual alguns produzem cultura e outros a consomem. Implicitamente, é ignorar e desprezar o fazer cotidiano de milhões de brasileiros. Não há por que um pequeno conjunto de profissionais das citadas indústrias, concentrados principalmente em duas cidades brasileiras, se apresentarem como os representantes da área de responsabilidade do Ministério da Cultura. Essa redução atende a interesses nada republicanos e é incompatível com uma concepção democrática de cultura.


Um Estado que tivesse democratizado completamente sua concepção de cultura seria então, no limite, um Estado em que cineastas, atores e compositores não fossem percebidos como sujeitos da cultura mais que pedreiros, domésticas ou camponeses. Seria um Estado em que a conversa jamais incluísse expressões como “pessoas que não são da área da cultura”. Seria um Estado onde a ideia de “levar cultura ao povo” não fizesse sentido. Seria um Estado que soubesse encontrar, valorizar e construir pontes entre os muitos fazeres culturais que já estão acontecendo em seu território. Um Estado onde seria impensável que um agente do poder público se apresentasse como representante dos “criadores de cultura”, a não ser que com essa expressão o agente se referisse à totalidade dos que vivem sob a égide desse Estado. Seria um Estado que genuinamente captasse a cultura como a totalidade dos sentidos do fazer humano.


Mais que nomes, cargos, tendências, correntes e conchavos, os acalorados debates em torno do Ministério da Cultura que têm tido lugar no Brasil nos últimos meses são uma oportunidade para que se repense essa questão de fundo: qual é a compreensão de cultura que queremos, quais são as visões e conceitos de cultura que fazem justiça à nossa experiência como povo.


Fonte: Revista Fórum, Edição 99 - junho 2011