domingo, 25 de janeiro de 2009

O Caminho de Santiago começa a ficar distante...




POIS É... 

E não é que o Caminho começou a ficar distante, conforme eu ando! 

Estou em um período de muitas decisões a tomar para o ano de 2009 e seguintes. 

Em relação ao meu trabalho no movimento sindical, em relação aos meus estudos, em relação aos meus objetivos há tanto tempo traçados etc. 

Será que preciso ir fisicamente a algum lugar neste mundo contemporâneo e globalizado? Séculos atrás era bem diferente. 

O mundo era desconhecido, era misterioso, era grande. Hoje o mundo é pequenininho. É interligado e todo conhecido. Diria até que sem graça. 

Com um clique na rede mundial é possível ver em tempo real o que acontece em qualquer lugar do planeta. 

O que não mudou nos últimos 10 mil anos, talvez seja a natureza humana. O homem não mudou por dentro. Continua mau. Segue sendo destruidor de tudo o que toca. Não deixou de ser bárbaro. 

Quando estou em algum lugar, como quando estive caminhando em uma praia em Fortaleza, ou em João Pessoa, não vi diferença alguma em relação a caminhar na praia de Caiçara, na Praia Grande. 

Ou seja, é preciso pesar bastante a validade de ir caminhar na bela Espanha, ou ir pisar na velha montanha dos Incas. 

O que levarei EFETIVAMENTE daquilo? A compreensão do que estou refletindo terá que ser só minha. Pouco importa que outros não compreendam. 

Sabe, se tornou tão caro ir realizar esse meu objetivo, considerando que ganho pouco e tenho muitas obrigações sociais, que não sei se devo ir fisicamente lá. 

Não sei.

William Mendes

sábado, 24 de janeiro de 2009

Corrida - Dos 15 Km aos 42 Km




Hoje fiz meu primeiro longão de domingo focando alcançar novos limites físicos para sair dos meus atuais 15 Km de corrida rumo aos 42 Km, a maratona. 

Corri na AABB, com bastante calor, mas me hidratei o tempo todo e passei até protetor solar. A pista de corrida do clube é fantástica!

Fiz uma corrida de 99', ou seja, estou saindo de meu melhor tempo na São Silvestre (2008) para ir aumentando 15' a cada longa que fizer. 

Pela matéria do editor da revista Contra-Relógio, Tomaz Lourenço, seria possível correr uma maratona em abril. 

Acho que precisarei de mais tempo. Talvez eu corra a maratona de São Paulo, em 31 de maio. 

O importante é que, em termos físicos, estou bem, pensando em conjunto de musculatura, tendões e juntas dos membros inferiores.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Cenas cotidianas - Esperança e tristeza


Foto de William Mendes: Pode?
 

Cenas cotidianas - Esperança nas boas leituras e tristeza na qualidade da mídia

JOVENS COM BOAS LEITURAS EM MÃOS = ESPERANÇA

HÁ ESPERANÇAS quando vejo no metrô, no mesmo vagão, dois leitores em meio a vários, lendo Crime e Castigo de Fiódor Dostoievsky e Moby Dick de Herman Melville. Isso é positivo, pois em geral vemos leitores de Veja, jornalões deformadores de informação e Lyas Lufts da vida (o que é uma contradição de minha parte, confesso, pois sou contra estereótipos e estou entrando em um deles, pois nunca li seus livros para usá-la como padrão de leituras sem nada a dizer - apesar de já conhecer seus textos de revistas e achá-los ridículos).

P.I.G/MÍDIA = JORNALISTAS RUINS E QUE ACHAM QUE O POVO É BURRO E BOBO

O APRESENTADOR TRAMONTINA NÃO PODE ser tão imbecil e conservador a ponto de apresentar no SPTV da noite desta quarta-feira a sua opinião como foco central de uma matéria a respeito de atividade do movimento social em frente ao Banco Central da Av. Paulista, atividade pressionando o Copom a reduzir a taxa de juros básicos da economia, dizendo o seguinte:

“sindicalistas atrapalharam o trânsito hoje na Av. Paulista, prejudicando inclusive uma ambulância que queria passar pelo local”

O Brasil inteiro está cobrando redução da taxa Selic por parte do BC e esse energúmeno ao invés de falar sobre a importância da sociedade se organizar para tal, usa de seu veneno, ao vivo, para desvirtuar completamente a informação e colocar o telespectador contra os movimentos sociais.

A televisão é concessão pública e não pode ser usada de forma tão torpe contra o povo brasileiro.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Voltei da praia (onde estive e corri)


Foto mais recente (2020) da Colônia de Férias
do Sinpro SP. A piscina não tinha esse deck.


Cá estou. 

Estive uns dias na Praia Grande com a família. O tempo esteve bom e pratiquei algum esporte. 

Na sexta, corri 10 km em 60' (é bem diferente correr na orla - faz muito calor). 

Também joguei futebol de salão e fiz boas caminhadas. 

Tomei uma decisão esportiva: vou treinar para realizar meu sonho de correr uma maratona já em 2009. Acredito que correr 42.195 m é para super-homens e supermulheres. Quero ser um deles.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

domingo, 11 de janeiro de 2009

Corrida de domingo




Hoje acordei cedo, busquei pão, assisti ao filme A fonte da vida, dirigido por Darren Aronofsky em 2006. Bom filme!

Saí para correr por volta de meio-dia. Fui para o parque. Fiz 6 km em trote leve e andei mais 4 km. 

Almoço no Shopping e manutenção de meus dois aquários.

Pedro Páramo, de Juan Rulfo, de 1955




Este texto é um trabalho feito na USP a respeito do livro do autor e de matéria de literatura hispano-americana.

A REPRODUÇÃO SÓ É PERMITIDA MEDIANTE A CITAÇÃO DA FONTE.


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Universidade de São Paulo
Literatura Hispano-americana Contemporânea
Professora: Ana Cecília Olmos

Aluno: William Mendes de Oliveira
2º semestre de 2007

Pedro Páramo – Juan Rulfo
Narrativas da vida e da morte



Este trabalho tem como objetivo abordar questões como o foco narrativo e o ponto de vista das personagens do romance. A técnica de Rulfo, de deixar os personagens falarem por si mesmos, é uma inovação importante no século XX. Este livro todo enunciação foi algo que despontava por aqui na América.

A permissão dada aos campesinos de falarem daquilo que lhes vem à cabeça, suas recordações, angústias e tristezas, ainda mais depois de mortos, onde nem ali naquele não-mundo encontraram paz é a chave para estudar as possibilidades do romance moderno na América Latina no século XX com todos os seus problemas de transculturação e de embate entre o regional e o universal.


Centralidade cultural da narrativa


No século XX, o romance eclipsou a poesia, tanto como o que os escritores escreviam quanto como o que os leitores liam e, desde os anos 60, a narrativa passou a dominar também a educação literária.

As narrativas, as histórias, argumentam as teorias literária e cultural, são as principais maneiras pelas quais entendemos as coisas, quer ao pensar em nossas vidas como uma progressão que conduz a algum lugar, quer ao dizer a nós mesmos o que está acontecendo no mundo.

Entendemos os acontecimentos através de histórias possíveis, quer dizer, através de uma lógica da história e não da causalidade científica.

Além da teoria da narrativa ser um ramo da teoria literária, a narrativa não é apenas uma matéria acadêmica. Há um impulso humano de ouvir e narrar histórias. Muito cedo, as crianças desenvolvem o que se poderia chamar de uma competência narrativa básica.

O que Juan Rulfo faz de forma excepcional e inovadora é colocar seus personagens narrando suas histórias e ouvindo os demais narrarem também as suas.

Rulfo não foi o primeiro a fazer isso, haja vista que poderíamos dar alguns exemplos dessa técnica com variações no estilo já desde 1880, quando o “defunto-autor” Brás Cubas, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, vem do “outro lado”, ou seja, do outro mundo, para fazer um balanço terrível de que no “mundo terreno” prevalecem os jogos de interesse e o egoísmo sobre todos os sistemas da organização social – amor, religião, política etc. Começava ali uma série de vozes latino-americanas a denunciar e refletir os males das sociedades burguesas da época – que começavam a se firmar por esses lados do Atlântico de modo paradoxo e heterogêneo.

Depois disso, do outro lado do Atlântico, um irlandês - James Joyce - em Ulisses, aparece mesclando todas as possibilidades narrativas. Revolucionaria a história da literatura mundial ao colocar vozes em primeira pessoa até em objetos inanimados mostrando seus pontos de vista. Mais ainda, quando a voz não era própria, era em um fabuloso discurso indireto livre, onde o fluxo de pensamento superou os já modernos solilóquios e monólogos interiores. Agora, eram torrentes de ideias sem lógica e razão, reproduzindo-se todos os instantes cerebrais da personagem.

Outro exemplo fabuloso de nossas terras americanas e contemporâneo a Rulfo é o estupendo monólogo do sertanejo e jagunço aposentado Riobaldo Tatarana, em Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, personagem que pôs-se a narrar sua vida e suas angústias e incertezas sem intervalo ao longo de quase mil páginas a um forasteiro ouvinte, e consequentemente, a nós leitores do mundo.

Pedro Páramo inova, porém, ao deixar que os mortos falem por si mesmos. Mais que isso: deixa-nos ouvir os murmúrios dolorosos de vidas mal-vividas e de mortes “mal-vividas” pois, agora no reino dos mortos, descobrimos que as almas penam por aí e que não há sequer a salvação esperada, e os sofrimentos seguem até nos corpos, inclusive, com as águas das chuvas:

“...Lo que pasa con estos muertos viejos es que en cuanto les llega la humedad comienzan a removerse. Y despiertan.”

Descobrimos na morte a constatação da desesperança em vida quando até na religião se nos fecham as portas da salvação:

“... Hacía tantos años que no alzaba la cara, que me olvidé del cielo. Y aunque lo hubiera hecho, ¿qué habría ganado? El cielo está tan alto, y mis ojos tan sin mirada, que vivía contenta con saber donde quedaba la tierra. Además, le perdí todo mi interés desde que el padre Rentería me aseguró que jamás conocería la gloria. Que ni siquiera de lejos la vería... Fue cosa de mis pecados; pero él no debía habérmelo dicho. Ya de por sí la vida se lleva con trabajos. Lo único que la hace a una mover los pies es la esperanza de que al morir la lleven a una de un lugar a otro; pero cuando a una le cierran una puerta y la que queda abierta es nomás la del infierno, más vale no haber nacido... El cielo para mí, Juan Preciado, está aquí donde estoy ahora.”


A obra é diferente de tudo, até então, no que dizia respeito às técnicas de narrativa e ponto de vista na literatura mundial. Ler Juan Rulfo é algo ímpar.


Técnica Narrativa: as vozes, os murmúrios


As inovações narrativas explodem por aqui entre o fim do século XIX e meados do XX. É um período marcado pelo aparecimento de novos narradores nos romances e nos contos. É o momento de permitir novos pontos de vista. Tempo de aparecimento de obras que mudariam a maneira de ser da literatura latino-americana e mundial.

Meu primeiro contato com a estética de Rulfo foi marcante. Algumas obras se nos encaixam, parecem que foram feitas para pôr em palavras aquilo que nos escapam a competência e a técnica de o fazer ou de o dizer.

Pedro Páramo é uma torrente de murmúrios, uma chance dada – e não desperdiçada - aos campesinos, às pessoas comuns e não-letradas (representadas na obra) de soltar a voz e expor toda dor, melancolia, desesperança e os rancores de um povo. São os ecos de uma América que busca se compreender, se encontrar; definir sua identidade.


Como está dito por Jorge Ruffinelli em 1988, no prólogo da antologia (feita pelo próprio Rulfo) a respeito de sua técnica narrativa:

“No empleaba toda la voz sino el murmullo. La suya, paradójicamente, era una estética del silencio y de la alusividad... la razón es que aborrecía la verbalización vacía, la retórica”

No primeiro capítulo, que demarcaria uma das linhas temporais da narração, o narrador em primeira pessoa nos conta que foi a Comala em busca de seu pai, depois de morta sua mãe. E que foi devido às ilusões – forte temática da obra. Ele nos conta através de um presente narrativo, pois usa um dêitico em sua fala (sublinhado):

“Pero no pensé cumplir mi promesa. Hasta que ahora pronto comencé a llenarme de sueños, a darle vuelo a las ilusiones.”

A obra será composta de 70 fragmentos, sendo que em 29 deles, essa voz que pertence a Juan Preciado está em diálogo, não conosco – leitores -, senão com Dorotea (em brilhante técnica, pois só no capítulo 37 (fragmento) é que descobrimos que o diálogo é com ela e não conosco e que estão ambos mortos e enterrados).

“,... y se ha admirado la habilidad con que Rulfo mantuvo su novela, hasta casi mediarla, sin que el lector pueda descubrir que la está narrando un muerto, y que el que narra no es él, sino el cadáver de Dorotea enterrado en la misma fosa que el narrador...”

Dois núcleos centrais marcam a história, com conflitos que giram ao redor: os tormentos de consciência religiosa e pessoal do Padre Rentería e a história de amor (e desamor) do cacique Pedro Páramo e Susana San Juan.


Transculturação


Rulfo é um escritor que exemplifica bem aquilo que Ángel Rama chama de transculturação, pois atua em duas direções aparentemente opostas. “el cosmopolitismo de las nuevas formas literarias y el localismo de la provincia, de la ‘tierra’”.


Rama afirma: “la presencia activa en una literatura, no sólo de asuntos sino de formas culturales específicas de una determinada región cultural americana y al mismo tiempo la tarea descubridora, inventiva y original del escritor situado en el conflicto modernizador”

Dentro das inovações buscadas pelos autores transculturadores, destacamos alguns latino-americanos que encontraram soluções próprias muito interessantes como Gabriel García Márquez, Juan Rulfo e João Guimarães Rosa. Cada um buscou dar respostas a problemáticas comuns nessa América que se erguia.

“También aquí el repliegue dentro del venero cultural tradicional ha de surtir de respuestas: en vez del fragmentario monólogo interior en la línea del stream of conscioussnes que salpicó imitativamente mucha narrativa modernizada, se logró reconstruir un género tan antiguo como el monólogo discursivo (Grande Sertão: veredas) cuyas fuentes están no sólo en la literatura clásica sino en las del narrar espontáneo; o se encontró la solución al relato episódico y dividido a través del contar dispersivo de “las comadres”, sus voces susurrantes (Pedro Páramo) también transpuesto de fuentes orales aunque pueda rastreárselo hasta en textos del Renacimiento...”

Como o próprio Rama assinala, será no nível dos significados aonde as operações narrativas da transculturação mais trarão novidades consideráveis nessa literatura latino-americana que explode em meados do século XX.


Vozes e murmúrios - impressões e pontos de vista de mortos e vivos

A obra apresenta dois eixos temporais bem característicos: vozes, murmúrios e reflexões em um presente enunciativo intercalado por diversas outras do e sobre o passado.

Rulfo permite em sua novela que os campesinos falem por si, vivos ou mortos.

Apresento aqui, uma leitura breve, através dos 70 fragmentos, de pequenas falas, reflexões, sentimentos e sensações das personagens que destacam as impressões e pontos de vista sobre as temáticas discutidas na obra e que marcam toda a narrativa.

Em linhas gerais, veremos nestas falas questões como o preço de uma ilusão – Juan Preciado e Dorotea; o tema da nostalgia a um passado muitas vezes irreal, mas, idealizado – em várias personagens como em Dolores Preciado, Susana San Juan, Pedro Páramo em sua infância com Susana etc; forte temática do ódio e do rancor – principalmente em Pedro Páramo; a desilusão referente às questões da fé e o uso político e de domínio da religião – Padre Rentería - e em todas as suas vítimas (os campesinos).


Em cena


Juan Preciado: “...no pensé cumplir mi promesa (de ir a Comala em busca do pai). Hasta que ahora pronto comencé a llenarme de sueños, a darle vuelo a las ilusiones...”


Juan Preciado: “Yo imaginaba ver aquello (Comala) a través de los recuerdos de mi madre; de su nostalgia, entre retazos de suspiros... yo vengo en su lugar. Traigo los ojos con que ella miró estas cosas...”


Dolores Preciado: “Hay allí (região de Comala) la vista muy hermosa de una llanura verde, algo amarilla por el maíz maduro...” (visão idealizada)

Abundio: “Aquello (Comala) está sobre las brasas de la tierra, en la mera boca del infierno...”


Abundio: “-Un rencor vivo (falando quem era Pedro Páramo)”


Abundio: “... aqui no vive nadie... Pedro Páramo murió hace muchos años.”

Juan Preciado: “Ahora estaba aquí, en este pueblo sin ruidos... Y aunque no había niños jugando, ni palomas, ni tejados azules, sentí que el pueblo vivía. Y que si yo escuchaba solamente el silencio, era porque aún no estaba acostumbrado al silencio; tal vez porque mi cabeza venia llena de ruidos y de voces...”

Dolores Preciado: “Allá me oirás mejor... encontrarás más cercana la voz de mis recuerdos...”

Eduviges Dyada: “... la madre de usted no me avisó sino hasta ahora (Juan Preciado avisa que sua mãe morreu há sete dias) ... entonces ésa fue la causa de que su voz se oyera tan débil, como si hubiera tenido que atravesar una distancia muy larga...”


Eduviges Dyada: “... sólo yo entiendo lo lejos que está el cielo de nosotros; pero conozco cómo acortar las veredas. Todo consiste en morir, Dios mediante, cuando uno quiera y no cuando Él lo disponga.”


Pedro Páramo (lembrando): “... Al recorrerse las nubes, el sol sacaba luz a las piedras, irisaba todo de colores, se bebía el agua de la tierra...” (em certos momentos, Pedro Páramo vê o passado como em um filme e, em outros, ele tece comentários e pensa a respeito)

Pedro Páramo (refletindo): “Pensaba en ti, Susana... en la época del aire. Oíamos allá abajo el rumor viviente del pueblo... el aire nos hacía reír... en el verdor de la tierra.”


Pedro Páramo (refletindo): “A centenares de metros, encima de todas las nubes, más, mucho más allá de todo, estás escondida tú, Susana. Escondida en la inmensidad de Dios, detrás de su Divina Providencia, donde yo no puedo alcanzarte ni verte y adonde no llegan mis palabras.”

Pedro Páramo (lembrando): “Había chuparrosas. Era la época. Se oía el zumbido de sus alas entre las flores del jazmín que se caía de flores.”

Pedro Páramo (lembrando): “... el siseo de la lluvia como un murmullo de grillos... Entonces ella (sua mãe) se dio vuelta... y abrió sus sollozos, que se siguieron oyendo confundidos con la lluvia.” (quando morreu seu avô)

Eduviges Dyada: “Ahora, desventuradamente, los tiempos han cambiado... ya nadie se comunica con nosotros...” (fala com Juan Preciado)

Juan Preciado: “Sin dejar de oírla, me puse a mirar a la mujer que tenia frente a mí (Eduviges). Pensé que debía haber pasado por años difíciles. Su cara se transparentaba como si no tuviera sangre, y tus manos estaban marchitas...”

Dolores Preciado: “... Llanuras verdes... Un pueblo que huele a miel derramada...” (sempre a visão nostálgica de uma Comala maravilhosa)

Dolores Preciado: “Quisiera ser zopilote para volar a donde vive mi hermana (quando perguntada sobre por que suspirava)”


Pedro Páramo (refletindo): “El día que te fuiste (pensa em Susana San Juan) entendí que no te volvería a ver. Ibas teñida de rojo por el sol de la tarde, por el crepúsculo ensangrentado del cielo... "


Padre Rentería: “-Son tuyas. (falando ao Senhor sobre as moedas dadas por Pedro Páramo para comprar a salvação de seu filho Miguel Páramo) Él puede comprar la salvación. Tú sabes si éste es el precio... Por mí, condénalo, Señor... Está bien, Señor, tú ganas.”


Ana (sobrinha do Padre): “... Sé que ahora debe estar (Miguel Páramo) en lo mero hondo del infierno; porque así se lo he pedido a todos los santos con todo mi fervor.” (ele assassinou o pai dela e depois a violentou)

Padre Rentería: “No estés tan convencida de eso, hija. ¡Quién sabe cuántos estén rezando ahora por él! Tú estás sola. Un ruego contra miles de ruegos... (pensa: ‘Además, yo le he dado el perdón’)”


Padre Rentería: “Todo esto que sucede es por mi culpa. El temor de ofender a quienes me sostienen... De los pobres no consigo nada; las oraciones no llenan el estómago... mi culpa... He traicionado a aquellos que me quieren... tengo frente a mis ojos la mirada de María Dyada, que vino pedirme salvara a su hermana Eduviges... pero ella suicidó. Obró contra la mano de Dios... Dejemos las cosas como están. Esperemos en Dios... este valle de lágrimas (o mundo)” (com dinheiro se compra a salvação; sem ele, não há portas, não há saídas na religião)

Juan Preciado: “No, no era posible calcular la hondura del silencio que produjo aquel grito. Como si la tierra se hubiera vaciado de su aire...” (ecos de um assassinato)

Damiana Cisneros: “-Pobre Eduviges. Debe de andar penando todavía.”

Fulgor Sedano: “De no haber sido porque estaba tan encariñado con la Media Luna... le tenía aprecio a aquella tierra; a esas lomas pelonas tan trabajadas y que todavía seguían aguantando el surco, dando cada vez más de sí... La querida Media Luna...” (a nostalgia também nos brutos)

Dolores Preciado: “... ¡Qué felicidad! ¡Oh, qué felicidad! Gracias, Dios mío, por darme a don Pedro... Aunque después me aborrezca.” (as ilusões...)

Juan Preciado: “-No supe de qué (causa da morte da mãe). Tal vez de tristeza. Suspiraba mucho.”


Damiana Cisneros: “-Eso es malo. Cada suspiro es como un sorbo de vida del que uno se deshace...”


Juan Preciado: “Oía de vez en cuando el sonido de las palabras, y notaba la diferencia. Porque las palabras que había oído hasta entonces, hasta entonces lo supe, no tenían ningún sonido, no sonaban; se sentían; pero sin sonido, como las que se oyen durante los sueños.”


Irmã de Donis: “- ¿No me ve el pecado?. ¿No ve esas manchas moradas como de jiote que me llenan de arriba abajo? Y eso es sólo por fuera; por dentro estoy hecha un mar de lodo... Si usted viera el gentío de ánimas que andan sueltas por la calle...”


Irmã de Donis: “... Estábamos tan solos aquí, que los únicos éramos nosotros. Y de algún modo había que poblar el pueblo... (mito de adão e eva)”


Irmã de Donis: “... Y ésa es la cosa por la que esto está lleno de ánimas; un puro vagabundear de gente que murió sin perdón y que no lo conseguirá de ningún modo, mucho menos valiéndose de nosotros...”


Juan Preciado: “... Cada vez entiendo menos... Quisiera volver al lugar de donde vine...”


Juan Preciado: “- ¿No me oyes? (pergunta a sua mãe) - ¿Dónde estás? (sua mãe responde) –Estoy aquí, en tu pueblo. Junto a tu gente. ¿No me ves? (diz) -No hijo, no te veo... No te veo.”


Juan Preciado: “No había aire. Tuve que sorber el mismo aire que salía de mi boca, deteniéndolo con las manos antes de que se fuera. Lo sentía ir y venir, cada vez menos; hasta que se hizo tan delgado que se filtró entre mis dedos para siempre... (morte de Juan Preciado)”


Dorotea: “-¿Quieres hacerme creer que te mató el ahogo, Juan Preciado?... De no haber habido aire para respirar esa noche de que hablas, nos hubieran faltado las fuerzas para llevarte y contimás para enterrarte. Y ya ves, te enterramos.” (leitor se dá conta de que o diálogo não era com ele e sim entre mortos)

Juan Preciado: “-Es cierto, Dorotea. Me mataron los murmullos...” (murmúrios que matam...)

Dolores Preciado: “Allá hallarás mi querencia. El lugar que yo quise... donde hemos guardado nuestros recuerdos... donde se ventila la vida como si fuera un murmullo; como si fuera un puro murmullo de la vida...” (murmúrios que dão vida...)

Dorotea: “Mejor no hubieras salido de tu tierra. ¿Qué viniste a hacer aquí?”

Juan Preciado: “-Ya te lo dije en un principio. Vine a buscar a Pedro Páramo, que según parece fue mi padre. Me trajo la ilusión.” (ilusões que levam adiante...)

Dorotea: “-¿La ilusión? Eso cuesta caro. A mí me costo vivir más de lo debido. Pagué con eso la deuda de encontrar a mi hijo, que no fue, por decirlo así, sino una ilusión más...” (ilusões que retêm...)

Dorotea: “... Haz por pensar en cosas agradables porque vamos a estar mucho tiempo enterrados.”


Juan Preciado: “-Allá afuera debe estar variando el tiempo... Mi madre, que vivió su infancia y sus mejores años en este pueblo y que ni siquiera pudo venir a morir aquí. Hasta para eso me mandó a mí en su lugar...”


Padre Rentería: “El asunto comenzó cuando Pedro Páramo, de cosa baja que era, se alzó, a mayor. Fue creciendo como una mala yerba. Lo malo de esto es que todo lo obtuvo de mí...” (é a igreja endossando o poder local)

El cura de Contla: “... No, padre (a Rentería), mis manos no son lo suficientemente limpias para darte la absolución. Tendrás que buscarla en otro lugar...”

El cura de Contla: “... Vivimos en una tierra en que todo se da, gracias a la providencia; pero todo se da con acidez. Estamos condenados a eso.”

Padre Rentería: “(perguntado pela sobrinha se sentia-se mal) –Mal no, Ana. Malo. Un hombre malo. Eso siento que soy.”


Susana San Juan: “... Estoy aquí, boca arriba, pensando en aquel tiempo para olvidar mi soledad. Porque no estoy acostada sólo por un rato. Y ni en la cama de mi madre, sino dentro de un cajón negro como el que se usa para enterrar a los muertos. Porque estoy muerta...”

Dorotea: “... Lo que pasa con estos muertos viejos es que en cuanto les llega la humedad comienzan a removerse. Y despiertan.” (essa é uma das imagens mais fortes do livro!)

Dorotea: “(uma vítima de Pedro Páramo resmunga em alguma cova)... Algunos de tantos. Pedro Páramo causó tal mortandad después que le mataron a su padre, que se dice casi acabó con los asistentes a la boda en la cual don Lucas Páramo iba a fungir de padrino...”

Dorotea: “(falando do amor de Pedro Páramo por Susana San Juan)... Estoy por decir que nunca quiso a ninguna mujer como a ésa... Tan la quiso, que se pasó el resto de sus años aplastado en un equipal, mirando el camino por donde se la habían llevado al camposanto. Le perdió interés a todo... porque le agarró la desilusión... ‘Desde entonces la tierra se quedó baldía y como en ruinas... Y todo por las ideas de don Pedro, por sus pleitos de alma. Nada más porque se le murió la mujer, la tal Susanita. Ya te has de imaginar se la quería’.”

Pedro Páramo (refletindo): “Esperé treinta años a que regresaras, Susana. Esperé a tenerlo todo. No solamente algo, sino todo lo que se pudiera conseguir de modo que no nos quedara ningún deseo...”


Pedro Páramo (refletindo): “... Y lloré, Susana, cuando supe que al fin regresarías.”

Bartolomé San Juan: “... y en cuanto sale a relucir tu nombre (de Susana), cierra los ojos. Es, según yo sé, la pura maldad. Eso es Pedro Páramo.”


Tartamudo: “-Necesito hablar directamente cocon el patrón (Pedro Páramo)... yo soy. ¿Qué quieres?... nanada más esto. Mataron a don Fulgor Sesedano...” (Rulfo reproduz língua oral – aqui um gago fala)

Susana San Juan: “Mi cuerpo se sentía a gusto sobre el calor de la arena... apenas restos de espuma en mis pies al subir de su marea... En el mar sólo me sé bañar desnuda... Entregándome a sus olas.” (devaneios, ilusões de Susana)

Esta segunda parte da novela é basicamente contada por um narrador em terceira pessoa, como se fosse um filme, recordações de Pedro Páramo, intercalado por poucos fragmentos de vozes a partir do local dos mortos.

Pedro Páramo (lembrando): “(após a morte de Susana San Juan – contrasta a tristeza em La Media Luna e o festejo em Comala)...-Me cruzaré de brazos y Comala se morirá de hambre...” (e assim o fez)

Pedro Páramo: “Ésta es mi muerte.” (aqui, desmorona como se fora um monte de pedras e morre, assassinado por Abundio)


Conclusão


Quanto mais leio Pedro Páramo, mais compreendo a temática abrangida por Juan Rulfo, mais admiro sua capacidade inovadora na questão da transculturação.

Ao mesmo tempo em que lemos, estamos vivenciando a problemática do campesinato mexicano. O tempo todo, porém, estamos vendo também a dicotomia dos embates locais nessa América que busca se formar, firmar e afirmar enquanto um "conjunto de nações independentes" em todos os sentidos, mas que não abandonam a busca da sua identidade latino-americana.

Ademais, e sobretudo, quanto mais releio Pedro Páramo, mais nítido fica seu caráter universal, posto que poderíamos nos deslocar ao longo das sociedades em suas mais diversas culturas e encontraríamos as temáticas abordadas na obra como as consequências do amor e do ódio, o rancor, o preço das ilusões, a questão sempre recorrente da nostalgia nos humanos (formas de visão do ontem, do passado, do lugar perdido) e da relação sempre problemática entre a igreja e os poderes locais constituídos.

É uma obra ímpar. Vozes e murmúrios de gente simples; narrativas da vida e da morte; fragmentos que levam ao todo, que conduzem às grandes reflexões. É a literatura em um de seus grandes momentos.


Um poema - Impressões

Comala
Terra que se esvazia.
Se esvazia em gentes.
Se esvazia em vidas.

Terra que se enche.
Se enche de pó,
de tristeza,
de solidão.

E no contraste ao pó: chuva.
Chuva, chuva e mais chuva.
A terra chora.
O céu chora.
As personagens choram.

Tanta frustração, desilusão,
desesperança...
Tanta miséria, carência.
Carência de vida.
Carência de amor.

Fome. Fome.
Fome de roer estômagos,
Fome de viver.
Fome de esperança.”


William Mendes


Bibliografía:

BOIXO, José Carlos González. Pedro Páramo. In: “Introducción, Análisis de Pedro Páramo y Estructura”. Edición de José Carlos González Boixo. Catedra – Letras Hispánicas. 13ª edición 1998.
CULLER, Jonathan. Teoria Literária – Uma Introdução. Beca Prod. Literárias Ltda – 1999
NATALI, Marcos Piason. A Política da Nostalgia: um estudo das formas do passado. Ed. Nankin, 2006.
RAMA, Angel. La Novela en America Latina: panoramas 1920-1980. Instituto Colombiano de Cultura. Procultura SA
RUFFINELLI, Jorge. In: “prólogo”, San Francisco, 1988. Antología Personal de Juan Rulfo...
RULFO, Juan. Antología Personal. Ediciones Era.
RULFO, Juan. Pedro Páramo. Edición de José Carlos González Boixo. Catedra – Letras Hispánicas. 13ª edición 1998.


sábado, 10 de janeiro de 2009

Poema - Comala


Comala
Terra que se esvazia.
Se esvazia em gente.
Se esvazia em vidas.

Terra que se enche.
Se enche de pó,
de tristeza,
de solidão.

E no contraste ao pó: chuva.
Chuva, chuva e mais chuva.
A terra chora.
O céu chora.
As personagens choram.

Tanta frustração, desilusão,
desesperança...
Tanta miséria, carência.
Carência de vida.
Carência de amor.

Fome. Fome.
Fome de roer estômagos,
Fome de viver.
Fome de esperança.


William Mendes

Poema de impressões a respeito da obra de Juan Rulfo, Pedro Páramo.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Caminhada e corrida de sexta




Após o dia de trabalho, cheguei a casa e saí para uma caminhada no Parque Continental. 

Caminhei cerca de 6,5 Km e fiz 3 tiros de 500 m intervalados: 2'40", 2'30" e 2'08.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Caminhada e corrida




Hoje pela manhã, caminhei e corri um pouco: 6 Km (3 e 3). 

Ando com a agenda de trabalho cheia e com pouco tempo para literatura e esporte.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Instante musical... Pink Floyd




Belo momento de Pink Floyd... 

Fui!


Corrida domingueira - 10K



Bom, pra começar bem o ano de corridas em 2009, corri hoje 10 Km em 60' em circuito de rua. 

Pensando um pouco a respeito da subida da Brigadeiro, na São Silvestre, creio que subi bem os dois anos que participei porque o circuito que faço treinamento perto de minha residência tem uma subida de 1 Km (Franz Voegeli). 

Lembro que pretendo me adaptar para correr meia-maratona, ou seja, 21 Km. Para mim, será um tremendo desafio.

Escrituras ao som de... Janis Joplin


É isso... 

Foi um bom momento de Janis Joplin... 

E, um bom reggae... 

(antes ouvi um pouco de Vivaldi) 

Fui!


sábado, 3 de janeiro de 2009

Caminhada para espairecer (e refletir "Escritores da Liberdade")



Refeição Cultural

Saí para caminhar um pouco à noite (45 minutos), após um dia com dois momentos de forte emoção causada pelo final da leitura de um livro - A cidade do sol, de Khaled Hosseini - e após assistir ao filme Escritores da liberdade, com direção de Richard LaGravenese e estrelado por Hilary Swank em 2007. 

As histórias nos põem a refletir sobre várias coisas como, por exemplo, não sabermos dar valor a coisas simples como ter acesso a comida e paz, ou seja, não estar à mercê de um míssil cair em sua cabeça a qualquer momento; ou a nobreza de ser professor e levar até as últimas consequências sua luta para não perder o direito de transformar a vida de seus alunos - dar-lhes a condição da mudança. 

Tanto o livro quanto o filme me emocionaram bastante. Sabe como é, né, começo de ano civil é hora de fazer balanço do ano que passou e pensar sobre o que fazer daí adiante. 

Ser sindicalista é uma luta diária. Aliás, às vezes inglória, pois não se vê o resultado de várias lutas travadas. É sempre nadar contra a corrente. 

COMENTÁRIO: li um excelente artigo do professor Raymundo de Lima a respeito do filme. Ele é professor da Universidade Estadual de Maringá. Está disponível na internet através de buscas.

SINOPSE: 

Hilary Swank, duas vezes premiada com o Oscar, atua nessa instigante história, envolvendo adolescentes criados no meio de tiroteios e agressividade. É a professora que oferece o que eles mais precisam: uma voz própria. 

Quando vai parar numa escola corrompida pela violência e tensão racial, a professora Erin Gruwell combate um sistema deficiente, lutando para que a sala de aula faça a diferença na vida dos estudantes. 

Agora, contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos outros, uma turma de adolescentes supostamente indomáveis vai descobrir o poder da tolerância, recuperar suas vidas desfeitas e mudar seu mundo. 

Com eletrizantes performances de um elenco de astros, incluindo Scott Glenn (Dia de Treinamento), Imelda Stauton (Harry Potter e a Ordem da Fênix) e Patrick Dempsey (Grey's Anatomy), ganhador do Globo de Ouro. 

Escritores da Liberdade é baseado no aclamado best-seller O Diário dos Escritores da Liberdade

Informações Técnicas 

Título no Brasil: Escritores da Liberdade 
Título Original: Freedom Writers 
País de Origem: Alemanha/EUA 
Gênero: Drama 
Classificação etária: Livre 
Tempo de Duração: 122 minutos 
Ano de Lançamento: 2007 
Site Oficial: http://www.freedomwriters.com 
Estúdio/Distrib.: UIP 
Direção: Richard LaGravenese 
Elenco: 
Hilary Swank: Erin Gruwell 
Patrick Dempsey: Scott Casey 

Fonte: interfilmes

Leitura: A cidade do sol - Khaled Hosseini



Refeição Cultural

Acabei a leitura do livro de Khaled Hosseini - A cidade do sol, de 2007. Não há como não se emocionar.

Havia prometido em casa que leria o já famoso O caçador de pipas, dele também. Mas acabou parando em minhas mãos o segundo livro do autor.

Estava passando cinco dias na casa de meus pais em Minas Gerais. Durante minhas leituras, percebi que seria impossível ter concentração suficiente para seguir com o livro de Saramago - Todos os nomes -, pois é uma leitura que exige maior reflexão (Creio que todas as leituras têm níveis diferentes de exigência do leitor).

Já o livro de Hosseini consegui lê-lo em meio à gente e tumulto com a maior facilidade.

O livro trata basicamente do que é ser mulher no Afeganistão. Evidentemente, trata também das mazelas e desgraças geradas pelas sucessivas guerras sofridas pelo povo afegane, sejam elas internas, sejam elas de invasão estrangeira.

Vale a pena a leitura, pois é preciso que saibamos o que ocorre neste nosso vasto mundo para sabermos evitar e ou corrigir as nossas próprias mazelas sociais.

É como eu dizia em nossas sessões de prosa em família lá em Uberlândia: tudo na vida é uma questão de política e religião. TUDO!

É uma tremenda bobagem dizer que não se discute política e religião. Se discute, sim!

É UMA QUESTÃO DE TOLERÂNCIA. E, COM TOLERÂNCIA, SE DISCUTE TUDO

Política e religião movem o mundo desde sempre. Não discuti-las é se alienar; se alienar é se deixar levar pela desinformação e pela ignorância. É ser convencido pelo mito, sem antes refletir e digerir o fato. Sem ao menos saber se há explicação para tal.

Cara! Como alguma sociedade pode admitir qualquer tipo de violência ou ditadura? Como explicar a tolerância à injustiça? Como aceitar a intolerância em nome de algum deus ou "ser superior"?

A intolerância existe de forma latente em cada um de nós, mamíferos onívoros - vulgo seres humanos. É preciso identificá-la; controlá-la e, já que impossível extirpá-la de nossa natureza, vigiá-la todos os dias de nossa existência.

A TOLERÂNCIA É UM EXERCÍCIO DIÁRIO, COTIDIANO

A cidade do sol é uma leitura que vale a pena, pois exercita a esperança e, acima de tudo, nos mostra o que ocorre todos os dias e em todos os lugares - as guerras e as intolerâncias.


William

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O machete (1878) - Conto de Machado de Assis


Machete ou
Cavaquinho.


Violoncelo.

Publicado originalmente em "Jornal das Famílias", em 1878.


Inácio Ramos contava apenas dez anos quando manifestou decidida vocação musical. Seu pai, músico da imperial capela, ensinou-lhe os primeiros rudimentos da sua arte, de envolta com os da gramática de que pouco sabia. Era um pobre artista cujo único mérito estava na voz de tenor e na arte com que executava a música sacra. Inácio, conseguintemente, aprendeu melhor a música do que a língua, e aos quinze anos sabia mais dos bemóis que dos verbos. Ainda assim sabia quanto bastava para ler a história da música e dos grandes mestres. A leitura seduziu-o ainda mais; atirou-se o rapaz com todas as forças da alma à arte do seu coração, e ficou dentro de pouco tempo um rabequista de primeira categoria.

A rabeca foi o primeiro instrumento escolhido por ele, como o que melhor podia corresponder às sensações de sua alma. Não o satisfazia, entretanto, e ele sonhava alguma coisa melhor. Um dia veio ao Rio de Janeiro um velho alemão, que arrebatou o público tocando violoncelo. Inácio foi ouvi-lo. Seu entusiasmo foi imenso; não somente a alma do artista comunicava com a sua como lhe dera a chave do segredo que ele procurara.

Inácio nascera para o violoncelo.

Daquele dia em diante, o violoncelo foi o sonho do artista fluminense. Aproveitando a passagem do artista germânico, Inácio recebeu dele algumas lições, que mais tarde aproveitou quando, mediante economias de longo tempo, conseguiu possuir o sonhado instrumento.

Já a esse tempo seu pai era morto. — Restava-lhe sua mãe, boa e santa senhora, cuja alma parecia superior à condição em que nascera, tão elevada tinha a concepção do belo. Inácio contava vinte anos, uma figura artística, uns olhos cheios de vida e de futuro. Vivia de algumas lições que dava e de alguns meios que lhe advinham das circunstâncias, tocando ora num teatro, ora num salão, ora numa igreja. Restavam-lhe algumas horas, que ele empregava ao estudo do violoncelo.

Havia no violoncelo uma poesia austera e pura, uma feição melancólica e severa que casavam com a alma de Inácio Ramos. A rabeca, que ele ainda amava como o primeiro veículo de seus sentimentos de artista, não lhe inspirava mais o entusiasmo antigo. Passara a ser um simples meio de vida; não a tocava com a alma, mas com as mãos; não era a sua arte, mas o seu ofício. O violoncelo sim; para esse guardava Inácio as melhores das suas aspirações íntimas, os sentimentos mais puros, a imaginação, o fervor, o entusiasmo. Tocava a rabeca para os outros, o violoncelo para si, quando muito para sua velha mãe.

Moravam ambos em lugar afastado, em um dos recantos da cidade, alheios à sociedade que os cercava e que os não entendia. Nas horas de lazer, tratava Inácio do querido instrumento e fazia vibrar todas as cordas do coração, derramando as suas harmonias interiores, e fazendo chorar a boa velha de melancolia e gosto, que ambos estes sentimentos lhe inspirava a música do filho. Os serões caseiros quando Inácio não tinha de cumprir nenhuma obrigação fora de casa, eram assim passados; sós os dois, com o instrumento e o céu de permeio.

A boa velha adoeceu e morreu. Inácio sentiu o vácuo que lhe ficava na vida. Quando o caixão, levado por meia dúzia de artistas seus colegas, saiu da casa, Inácio viu ir ali dentro todo o passado, e presente, e não sabia se também o futuro. Acreditou que o fosse. A noite do enterro foi pouca para o repouso que o corpo lhe pedia depois do profundo abalo; a seguinte porém foi a data da sua primeira composição musical. Escreveu para o violoncelo uma elegia que não seria sublime como perfeição de arte, mas que o era sem dúvida como inspiração pessoal. Compô-la para si; durante dois anos ninguém a ouviu nem sequer soube dela.

A primeira vez que ele troou aquele suspiro fúnebre foi oito dias depois de casado, um dia em que se achava a sós com a mulher, na mesma casa em que morrera sua mãe, na mesma sala em que ambos costumavam passar algumas horas da noite. Era a primeira vez que a mulher o ouvia tocar violoncelo. Ele quis que a lembrança da mãe se casasse àquela revelação que ele fazia à esposa do seu coração: vinculava de algum modo o passado ao presente.

— Toca um pouco de violoncelo, tinha-lhe dito a mulher duas vezes depois do consórcio; tua mãe me dizia que tocavas tão bem!

— Bem, não sei, respondia Inácio; mas tenho satisfação em tocá-lo.

— Pois sim, desejo ouvir-te!

— Por hora, não, deixa-me contemplar-te primeiro.

Ao cabo de oito dias, Inácio satisfez o desejo de Carlotinha. Era de tarde, — uma tarde fria e deliciosa. O artista travou do instrumento, empunhou o arco e as cordas gemeram ao impulso da mão inspirada. Não via a mulher, nem o lugar, nem o instrumento sequer: via a imagem da mãe e embebia-se todo em um mundo de harmonias celestiais. A execução durou vinte minutos. Quando a última nota expirou nas cordas do violoncelo, o braço do artista tombou, não de fadiga, mas porque todo o corpo cedia ao abalo moral que a recordação e a obra lhe produziam.

— Oh! lindo! lindo! exclamou Carlotinha levantando-se e indo ter com o marido.

Inácio estremeceu e olhou pasmado para a mulher. Aquela exclamação de entusiasmo destoara-lhe, em primeiro lugar porque o trecho que acabava de executar não era lindo, como ela dizia, mas severo e melancólico e depois porque, em vez de um aplauso ruidoso, ele preferia ver outro mais consentâneo com a natureza da obra, — duas lágrimas que fossem, — duas, mas exprimidas do coração, como as que naquele momento lhe sulcavam o rosto.

Seu primeiro movimento foi de despeito, — despeito de artista, que nele dominava tudo. Pegou silencioso no instrumento e foi pô-lo a um canto. A moça viu-lhe então as lágrimas; comoveu-se e estendeu-lhe os braços.

Inácio apertou-a ao coração.

Carlotinha sentou-se então, com ele, ao pé da janela, donde viam surdir no céu as primeiras estrelas. Era uma mocinha de dezessete anos, parecendo dezenove, mais baixa que alta, rosto amorenado, olhos negros e travessos. Aqueles olhos, expressão fiel da alma de Carlota, contrastavam com o olhar brando e velado do marido. Os movimentos da moça eram vivos e rápidos, a voz argentina, a palavra fácil e correntia, toda ela uma índole, mundana e jovial. Inácio gostava de ouvi-la e vê-la; amava-a muito, e, além disso, como que precisava às vezes daquela expressão de vida exterior para entregar-se todo às especulações do seu espírito.

Carlota era filha de um negociante de pequena escala, homem que trabalhou a vida toda como um mouro para morrer pobre, porque a pouca fazenda que deixou, mal pôde chegar para satisfazer alguns empenhos. Toda a riqueza da filha era a beleza, que a tinha, ainda que sem poesia nem ideal. Inácio conhecera-a ainda em vida do pai, quando ela ia com este visitar sua velha mãe; mas só a amou deveras, depois que ela ficou órfã e quando a alma lhe pediu um afeto para suprir o que a morte lhe levara.

A moça aceitou com prazer a mão que Inácio lhe oferecia. Casaram-se a aprazimento dos parentes da moça e das pessoas que os conheciam a ambos. O vácuo fora preenchido.

Apesar do episódio acima narrado, os dias, as semanas e os meses correram tecidos de ouro para o esposo artista. Carlotinha era naturalmente faceira e amiga de brilhar; mas contentava-se com pouco, e não se mostrava exigente nem extravagante. As posses de Inácio Ramos eram poucas; ainda assim ele sabia dirigir a vida de modo que nem o necessário lhe faltava nem deixava de satisfazer algum dos desejos mais modestos da moça. A sociedade deles não era certamente dispendiosa nem vivia de ostentação; mas qualquer que seja o centro social há nele exigências a que não podem chegar todas as bolsas. Carlotinha vivera de festas e passatempos; a vida conjugal exigia dela hábitos menos frívolos, e ela soube curvar-se à lei que de coração aceitara.

Demais, que há aí que verdadeiramente resista ao amor? Os dois amavam-se; por maior que fosse o contraste entre a índole de um e outro, ligava-os e irmanava-os o afeto verdadeiro que os aproximara. O primeiro milagre do amor fora a aceitação por parte da moça do famoso violoncelo. Carlotinha não experimentava decerto as sensações que o violoncelo produzia no marido, e estava longe daquela paixão silenciosa e profunda que vinculava Inácio Ramos ao instrumento; mas acostumara-se a ouvi-lo, apreciava-o, e chegara a entendê-lo alguma vez.

A esposa concebeu. No dia em que o marido ouviu esta notícia sentiu um abalo profundo; seu amor cresceu de intensidade.

— Quando o nosso filho nascer, disse ele, eu comporei o meu segundo canto.

— O terceiro será quando eu morrer, não? perguntou a moça com um leve tom de despeito.

— Oh! não digas isso!

Inácio Ramos compreendeu a censura da mulher; recolheu-se durante algumas horas, e trouxe uma composição nova, a segunda que lhe saía da alma, dedicada à esposa. A música entusiasmou Carlotinha, antes por vaidade satisfeita do que porque verdadeiramente a penetrasse. Carlotinha abraçou o marido com todas as forças de que podia dispor, e um beijo foi o prêmio da inspiração. A felicidade de Inácio não podia ser maior; ele tinha tido o que ambicionava: vida de arte, paz e ventura doméstica, e enfim esperanças de paternidade.

— Se for menino, dizia ele à mulher, aprenderá violoncelo; se for menina, aprenderá harpa. São os únicos instrumentos capazes de traduzir as impressões mais sublimes do espírito.

Nasceu um menino. Esta nova criatura deu uma feição nova ao lar doméstico. A felicidade do artista era imensa; sentiu-se com mais força para o trabalho, e ao mesmo tempo como que se lhe apurou a inspiração.

A prometida composição ao nascimento do filho foi realizada e executada, não já entre ele e a mulher, mas em presença de algumas pessoas de amizade. Inácio Ramos recusou a princípio fazê-lo; mas a mulher alcançou dele que repartisse com estranhos aquela nova produção de um talento. Inácio sabia que a sociedade não chegaria talvez a compreendê-lo como ele desejava ser compreendido; todavia cedeu. Se acertara aos seus receios não o soube ele, porque dessa vez, como das outras, não viu ninguém; viu-se e ouviu-se a si próprio, sendo cada nota um eco das harmonias santas e elevadas que a paternidade acordara nele.

A vida correria assim monotonamente bela, e não valeria a pena escrevê-la, a não ser um incidente, ocorrido naquela mesma ocasião.

A casa em que eles moravam era baixa, ainda que assaz larga e airosa. Dois transeuntes, atraídos pelos sons do violoncelo, aproximaram-se das janelas entrefechadas, e ouviram do lado de fora cerca de metade da composição. Um deles, entusiasmado com a composição e a execução, rompeu em aplausos ruidosos quando Inácio acabou, abriu violentamente as portas da janela e curvou-se para dentro gritando.

— Bravo, artista divino!

A exclamação inesperada chamou a atenção dos que estavam na sala; voltaram-se todos os olhos e viram duas figuras de homem, um tranquilo, outro alvoroçado de prazer. A porta foi aberta aos dois estranhos. O mais entusiasmado deles correu a abraçar o artista.

— Oh! alma de anjo! exclamava ele. Como é que um artista destes está aqui escondido dos olhos do mundo?

O outro personagem fez igualmente cumprimentos de louvor ao mestre do violoncelo; mas, como ficou dito, seus aplausos eram menos entusiásticos; e não era difícil achar a explicação da frieza na vulgaridade de expressão do rosto.

Estes dois personagens assim entrados na sala eram dois amigos que o acaso ali conduzira. Eram ambos estudantes de direito, em férias; o entusiasta, todo arte e literatura, tinha a alma cheia de música alemã e poesia romântica, e era nada menos que um exemplar daquela falange acadêmica fervorosa e moça animada de todas as paixões, sonhos, delírios e efusões da geração moderna; o companheiro era apenas um espírito medíocre, avesso a todas essas coisas, não menos que ao direito que aliás forcejava por meter na cabeça.

Aquele chamava-se Amaral, este Barbosa.

Amaral pediu a Inácio Ramos para lá voltar mais vezes. Voltou; o artista de coração gastava o tempo a ouvir o de profissão fazer falar as cordas do instrumento. Eram cinco pessoas; eles, Barbosa, Carlotinha, e a criança, o futuro violoncelista. Um dia, menos de uma semana depois, Amaral descobriu a Inácio que o seu companheiro era músico.

— Também! exclamou o artista.

— É verdade; mas um pouco menos sublime do que o senhor, acrescentou ele sorrindo.

— Que instrumento toca?

— Adivinhe.

— Talvez piano...

— Não.

— Flauta?

— Qual!

— É instrumento de cordas?

— É.

— Não sendo rabeca... disse Inácio olhando como a esperar uma confirmação.

— Não é rabeca; é machete.

Inácio sorriu; e estas últimas palavras chegaram aos ouvidos de Barbosa, que confirmou a notícia do amigo.

— Deixe estar, disse este baixo a Inácio, que eu o hei de fazer tocar um dia. É outro gênero...

— Quando queira.

Era efetivamente outro gênero, como o leitor facilmente compreenderá. Ali postos os quatro, numa noite da seguinte semana, sentou-se Barbosa no centro da sala, afinou o machete e pôs em execução toda a sua perícia. A perícia era, na verdade, grande; o instrumento é que era pequeno. O que ele tocou não era Weber nem Mozart; era uma cantiga do tempo e da rua, obra de ocasião. Barbosa tocou-a, não dizer com alma, mas com nervos. Todo ele acompanhava a gradação e variações das notas; inclinava-se sobre o instrumento, retesava o corpo, pendia a cabeça ora a um lado, ora a outro, alçava a perna, sorria, derretia os olhos ou fechava-os nos lugares que lhe pareciam patéticos. Ouvi-lo tocar era o menos; vê-lo era o mais. Quem somente o ouvisse não poderia compreendê-lo.

Foi um sucesso, — um sucesso de outro gênero, mas perigoso, porque, tão depressa Barbosa ouviu os cumprimentos de Carlotinha e Inácio, começou segunda execução, e iria a terceira, se Amaral não interviesse, dizendo:

— Agora o violoncelo.

O machete de Barbosa não ficou escondido entre as quatro partes da sala de Inácio Ramos; dentro em pouco era conhecida a forma dele no bairro em que morava o artista, e toda a sociedade deste ansiava por ouvi-lo.

Carlotinha foi a denunciadora; ela achara infinita graça e vida naquela outra música, e não cessava de o elogiar em toda a parte. As famílias do lugar tinham ainda saudades de um célebre machete que ali tocara anos antes o atual subdelegado, cujas funções elevadas não lhe permitiram cultivar a arte. Ouvir o machete de Barbosa era reviver uma página do passado.

— Pois eu farei com que o ouçam, dizia a moça.

Não foi difícil.

Houve dali a pouco reunião em casa de uma família da vizinhança. Barbosa acedeu ao convite que lhe foi feito e lá foi com o seu instrumento. Amaral acompanhou-o.

— Não te lastimes, meu divino artista; dizia ele a Inácio; e ajuda-me no sucesso do machete.

Riam-se os dois, e mais do que eles se ria Barbosa, riso de triunfo e satisfação porque o sucesso não podia ser mais completo.

— Magnífico!

— Bravo!

— Soberbo!

— Bravíssimo!

O machete foi o herói da noite. Carlota repetia às pessoas que a cercavam:

— Não lhes dizia eu? é um portento.

— Realmente, dizia um crítico do lugar, assim nem o Fagundes...

Fagundes era o subdelegado.

Pode-se dizer que Inácio e Amaral foram os únicos alheios ao entusiasmo do machete. Conversavam eles, ao pé de uma janela, dos grandes mestres e das grandes obras da arte.

— Você por que não dá um concerto? perguntou Amaral ao artista.

— Oh! não.

— Por quê?

— Tenho medo...

— Ora, medo!

— Medo de não agradar...

— Há de agradar por força!

— Além disso, o violoncelo está tão ligado aos sucessos mais íntimos da minha vida, que eu o considero antes como a minha arte doméstica...

Amaral combatia estas objeções de Inácio Ramos; e este fazia-se cada vez mais forte nelas. A conversa foi prolongada, repetiu-se daí a dois dias, até que no fim de uma semana, Inácio deixou-se vencer.

— Você verá, dizia-lhe o estudante, e verá como todo o público vai ficar delirante.

Assentou-se que o concerto seria dali a dois meses. Inácio tocaria uma das peças já compostas por ele, e duas de dois mestres que escolheu dentre as muitas.

Barbosa não foi dos menos entusiastas da ideia do concerto. Ele parecia tomar agora mais interesse nos sucessos do artista, ouvia com prazer, ao menos aparente, os serões de violoncelo, que eram duas vezes por semana. Carlotinha propôs que os serões fossem três; mas Inácio nada concedeu além dos dois. Aquelas noites eram passadas somente em família; e o machete acabava muita vez o que o violoncelo começava. Era uma condescendência para com a dona da casa e o artista! — o artista do machete.

Um dia Amaral olhou Inácio preocupado e triste. Não quis perguntar-lhe nada; mas como a preocupação continuasse nos dias subsequentes, não se pôde ter e interrogou-o. Inácio respondeu-lhe com evasivas.

— Não, dizia o estudante; você tem alguma coisa que o incomoda certamente.

— Coisa nenhuma!

E depois de um instante de silêncio:

— O que tenho é que estou arrependido do violoncelo; se eu tivesse estudado o machete!

Amaral ouviu admirado estas palavras; depois sorriu e abanou a cabeça. Seu entusiasmo recebera um grande abalo. A que vinha aquele ciúme por causa do efeito diferente que os dois instrumentos tinham produzido? Que rivalidade era aquela entre a arte e o passatempo?

— Não podias ser perfeito, dizia Amaral consigo; tinhas por força um ponto fraco; infelizmente para ti o ponto é ridículo.

Daí em diante os serões foram menos amiudados. A preocupação de Inácio Ramos continuava; Amaral sentia que o seu entusiasmo ia cada vez a menos, o entusiasmo em relação ao homem, porque bastava ouvi-lo tocar para acordarem-se-lhe as primeiras impressões.

A melancolia de Inácio era cada vez maior. Sua mulher só reparou nela quando absolutamente se lhe meteu pelos olhos.

— Que tens? perguntou-lhe Carlotinha.

— Nada, respondia Inácio.

— Aposto que está pensando em alguma composição nova, disse Barbosa que dessas ocasiões estava presente.

— Talvez, respondeu Inácio; penso em fazer uma coisa inteiramente nova; um concerto para violoncelo e machete.

— Por que não? disse Barbosa com simplicidade. Faça isso, e veremos o efeito que há de ser delicioso.

— Eu creio que sim, murmurou Inácio.

Não houve concerto no teatro, como se havia assentado; porque Inácio Ramos de todo se recusou. Acabaram-se as férias e os dois estudantes voltaram para S. Paulo.

— Virei vê-lo daqui a pouco, disse Amaral. Virei até cá somente para ouvi-lo.

Efetivamente vieram os dois, sendo a viagem anunciada por carta de ambos.

Inácio deu a notícia à mulher, que a recebeu com alegria.

— Vêm ficar muitos dias? disse ela.

— Parece que somente três.

— Três!

— É pouco, disse Inácio; mas nas férias que vêm, desejo aprender o machete.

Carlotinha sorriu, mas de um sorriso acanhado, que o marido viu e guardou consigo.

Os dois estudantes foram recebidos como se fossem de casa. Inácio e Carlotinha desfaziam-se em obséquios. Na noite do mesmo dia, houve serão musical; só violoncelo, a instâncias de Amaral, que dizia:

— Não profanemos a arte!

Três dias vinham eles demorar-se, mas não se retiraram no fim deles.

— Vamos daqui a dois dias.

— O melhor é completar a semana, observou Carlotinha.

— Pode ser.

No fim de uma semana, Amaral despediu-se e voltou a S. Paulo; Barbosa não voltou; ficara doente. A doença durou somente dois dias, no fim dos quais ele foi visitar o violoncelista.

— Vai agora? perguntou este.

— Não, disse o acadêmico; recebi uma carta que me obriga a ficar algum tempo.

Carlotinha ouvira alegre a notícia; o rosto de Inácio não tinha nenhuma expressão.

Inácio não quis prosseguir nos serões musicais, apesar de lho pedir algumas vezes Barbosa, e não quis porque, dizia ele, não queria ficar mal com Amaral, do mesmo modo que não quereria ficar mal com Barbosa, se fosse este o ausente.

— Nada impede, porém, concluiu o artista, que ouçamos o seu machete.

Que tempo duraram aqueles serões de machete? Não chegou tal notícia ao conhecimento do escritor destas linhas. O que ele sabe apenas é que o machete deve ser instrumento triste, porque a melancolia de Inácio tornou-se cada vez mais profunda. Seus companheiros nunca o tinham visto imensamente alegre; contudo a diferença entre o que tinha sido e era agora entrava pelos olhos dentro. A mudança manifestava-se até no trajar, que era desleixado, ao contrário do que sempre fora antes. Inácio tinha grandes silêncios, durante os quais era inútil falar-lhe, porque ele a nada respondia, ou respondia sem compreender.

— O violoncelo há de levá-lo ao hospício, dizia um vizinho compadecido e filósofo.

Nas férias seguintes, Amaral foi visitar o seu amigo Inácio, logo no dia seguinte àquele em que desembarcou. Chegou alvoroçado à casa dele; uma preta veio abri-la.

— Onde está ele? Onde está ele? perguntou alegre e em altas vozes o estudante.

A preta desatou a chorar.

Amaral interrogou-a, mas não obtendo resposta, ou obtendo-a intercortada de soluços, correu para o interior da casa com a familiaridade do amigo e a liberdade que lhe dava a ocasião.

Na sala do concerto, que era nos fundos, olhou ele Inácio Ramos, de pé, com o violoncelo nas mãos preparando-se para tocar. Ao pé dele brincava um menino de alguns meses.

Amaral parou sem compreender nada. Inácio não o viu entrar; empunhara o arco e tocou, — tocou como nunca, — uma elegia plangente, que o estudante ouviu com lágrimas nos olhos. A criança, dominada ao que parece pela música, olhava quieta para o instrumento. Durou a cena cerca de vinte minutos.

Quando a música acabou, Amaral correu a Inácio.

— Oh! meu divino artista! exclamou ele.

Inácio apertou-o nos braços; mas logo o deixou e foi sentar-se numa cadeira com os olhos no chão. Amaral nada compreendia; sentia porém que algum abalo moral se dera nele.

— Que tens? disse.

— Nada, respondeu Inácio.

E ergueu-se e tocou de novo o violoncelo. Não acabou porém; no meio de uma arcada, interrompeu a música, e disse a Amaral:

— É bonito, não?

— Sublime! respondeu o outro.

— Não; machete é melhor.

E deixou o violoncelo, e correu a abraçar o filho.

— Sim, meu filho, exclamava ele, hás de aprender machete; machete é muito melhor.

— Mas que há? articulou o estudante.

— Oh! nada, disse Inácio, ela foi-se embora, foi-se com o machete. Não quis o violoncelo, que é grave demais. Tem razão; machete é melhor.

A alma do marido chorava mas os olhos estavam secos. Uma hora depois enlouqueceu.

FIM

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COMENTÁRIO (Post Scriptum, 4/01/16)

Reli o conto nesta manhã de janeiro de 2016. Estou em férias do meu trabalho na Cassi - Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil -, onde sou gestor eleito pelos associados.

Andando por um Shopping Center ontem, aqui em Osasco, comprei um livro que organiza 50 contos de Machado de Assis. O autor é o estudioso John Gledson. Me lembro dele de meus tempos de aluno da FFLCH-USP.

O primeiro conto do livro do Gledson é este, "O machete".